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montesclaros.com - Ano 25 - segunda-feira, 18 de novembro de 2024
 

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Mensagem: O drama dos retirantes nordestinos José Prates Em 1930, Montes Claros já era uma cidade grande, como referencia principalmente em saúde e comércio com total liderança na região norte de Minas como, também, no sudoeste baiano. A bitola estreita da Estrada de Ferro Central do Brasil, terminava ali, já estando, porem, em estudo avançado o projeto de sua extensão a Monte Azul para encontro com a Leste Brasileiro, fazendo a ligação Norte-Sul do país que até então, só era possível pelo mar porque não existiam estradas terrestres capazes de fazer essa ligação, nem veículos automotrizes de alta capacidade. Os caminhões da época, os chamados V8 tinham capacidade para quatro toneladas e uma velocidade máxima de 60 kms por hora. As estradas existentes eram estreitas, carreiros abertos no mato para trafego de tropas e carros de boi usados como transporte usual de mercadorias, entre as cidades e condução dos produtos das fazendas para venda nas feiras da região. Ninguém pensava em estradas largas, pavimentadas, para o trafego de veículos pesados, porque esses veículos ainda não haviam chegado em nosso país. O transporte para os grandes centros era feito pela ferrovia em vagões lotados. Não havia, como hoje, uma grande variedade de produtos a exportar. Apenas três produtos eram exportados em seu estado natural: minério de ferro, café e algodão.. Só dois Estados exportavam: São Paulo e Minas Gerais. Enquanto isto acontecia no sul e sudoeste, no Nordeste, na decadas de 30 e 40, uma grande seca assola toda a região. Com ela, morrem cerca de duzentas e vinte mil pessoas, de fome, de sede e de doenças trazidas pela miséria e desnutrição. Praticamente todo o gado e toda a agricultura são extintos, forçando um grande êxodo rural, que chegou a provavelmente um milhão de retirantes ao ano, portanto, naquela época, a produção de cana de açúcar quase se extinguiu totalmente. O êxodo seguiu em direção ao Sul na década de 40; chegando em São Paulo; os nordestinos foram buscar trabalho nos cafezais, porém, não eram bem-vindos, pois, com a chegada dos imigrantes italianos e espanhóis, muito mais robustos e saudáveis, os fazendeiros preferiram os europeus aos nordestinos para o trabalho nos cafezais. Os nordestinos estavam extremamente desnutridos, doentes e miseráveis, morriam às centenas, sem condições para o trabalho pesado, pois sua caminhada do Nordeste ao Sul, por milhares de quilômetros, foi feita em sua maioria a pé, sem água, sem comida e em condições sub-humanas, exaurindo suas forças. O sofrimento que atingia os que ficaram no nordeste alimentava o desejo de emigrar porque dificil estava suportar tamanha dificuldade, causadora da miséria geral As cartas que recebiam, enviadas pelos que deixaram o sertão e agora trabalhavam nas fazendas de café em São Paulo, além de dinheiro, traziam, também, noticias da facilidade de trabalho naquele lugar. As noticias eram sempre boas e mostravam a satisfação do missivista em estar naquele lugar, gozando de tudo que era bom. Essas cartas animavam os que as recebiam fazendo nascer a disposição para, também, irem para aquele lugar onde poderiam viver com tranqüilidade, livre dos problemas que ali naquele sertão, tanto lhes incomodava causando sofrimento à família, O grande problema que se apresentava a todos, era a dificuldade na locomoção até Montes Claros onde embarcariam num trem. Não havia estradas regulares onde pudessem trafegar caminhões nem mesmo qualquer outro veiculo automotriz. A única condução disponível, mesmo assim, apenas, para alguns, eram os cavalos de montaria ou carros de boi. Sem outra opção, iam a pé até a cidade próxima, distante, às vezes, quarenta ou cinqüenta quilômetros, ou seja, dez ou doze léguas. (Uma légua, a medida de distância que então era aplicada, correspondia a quatro mil metros). Esse percurso, de 50 kms a pé, geralmente, era feito em seis ou sete dias, enfrentando todas as dificuldades possíveis. De saco às costas, onde estavam as roupas e objetos de uso, levavam, ainda, panela, prato, colheres para as refeições que faziam quando por volta de meio dia, paravam para o almoço. Cortavam a lenha, encontrada no local; faziam uma trempe com pedra para colocar a panela e acendiam o fogo pra cozinhar o “arroz de tropeiro” ocupando uma só panela. Junto ao arroz, era posto a cozinhar a carne picada com pedaços de toucinho e servida a todos numa vasilha grande Descansados do almoço, a caminhada recomeçava até o sol se por quando escolhiam um local adequado e seguro para passarem a noite, onde ficavam até o amanhecer de um novo dia que seria, em tudo igual ao que passou. Depois de seis dias nessa exaustiva caminhada, chegavam a uma cidadezinha onde entravam sob olhares curiosos dos habitantes. Para alojarem-se, procurava uma praça fora do centro onde montava uma espécie de acampamento a espera de uma condução para Montes Claros que ainda estava muito distante. Ali, naquele lugar, esperariam um caminhão que tivesse destino Montes Claros. Tres ou quatro dias depois de acampados, surgiu um caminhão carregado de algodão que se dispôs a conduzi-los. A viagem seria de dois dias. Dois dias depois, ao anoitecer, as primeiras luzes da cidade apareceram no horizonte. O cansaço desapareceu e a alegria invadiu a todos. A situação dos nordestinos forçados à migração em busca de condições de vida, atingiu Montes Claros que passou a receber, quase diariamente, centenas deles, cansados e famintos, dispostos a “pegar o trem” para Sao Paulo o destino comum de todos. A estrada de ferro Central do Brasil terminava ali e, todos os dias, o trem expresso para Belo Horizonte saia com os vagões da segunda classe lotados desses retirantes com o sofrimento estampado nos rostos, e nos olhos era visível a luz da esperança de melhores dias. Com o volume de retirantes crescendo a cada dia, as condições de atendê-los de maneira, pelo menos, razoável, foi desaparecendo. Foi , então que autoridades municipais em convênio com a Prefeitura de São Paulo criaram e instalaram na Praça da Estação, em uma casa grande com vários cômodos, a “Casa da emigração” para abrigar esses nordestinos que chegavam todos os dias amontoados numa carroceria de caminhão, cansados e com fome. Ao chegar, mal desciam do caminhão e o agenciador já estava a recebê-los com cesta de sanduíche de mortadela para saciar-lhes a fome. Eram, então, levados para a casa da emigração, onde podiam descansar até o embarque para São Paulo, geralmente, no dia seguinte. O agenciador era uma pessoa paga pelo fazendeiro paulista para conseguir trabalhadores e selecioná-los para sua fazenda, na época do corte de cana ou colheita do café; Na própria “Casa da Emigração”, ao chegar o nordestino, os agenciadores já separavam os seus escolhidos para o emprego na fazenda que representavam e iam providenciar as passagens em segunda classe, sem ônus para os emigrantes. Quando não havia mais lugar na “Casa da emigração” muitos retirantes amontoavam-se nas plataformas da Estação e ali ficavam até o dia seguinte, numa grande promiscuidade devido ao espaço aberto, sem qualquer condição de separação. Nos meus “quartos de serviço” ficava observando aquele povo dormindo tranqüilo, no chão forrado com uma esteira. A curiosidade atiçou-me a conversar com ele para saber o estado de seu estado de animo. Passei, então, a conversar com um e com outro durante a noite em que estava de serviço e aos poucos fui descobrindo o martírio da viagem em busca da alegria e da felicidade que não encontravam em sua terra. O vagão de segunda classe estava lotado quando foi “engatado” à composição do S20. O embarque no trem não era tumultuado porque isto acontecia antes da chegada do trem. Os retirantes embarcavam e lotavam os vagões de segunda que, para isso, estavam “desviados” no pátio da Estação e quando chegava o trem a ele eram engatados depois de verificado se todos tinham o respectivo bilhete de passagem. Em Belo Horizonte, esses passageiros eram embarcados em novos vagões, agora de bitola larga, que eram anexados ao trem BH/SP Quando chegavam à Estação da Luz em São Paulo, um empregado do fazendeiro contratante já estava à espera do grupo que identificava gritando o nome do “responsável” . Depois de um longo apito, o trem partiu devagar. Nas janelas da segunda classe, apareceram dezenas de mãos acenando-me em despedida. Eu lhes disse Adeus desejando-lhes boa sorte. (José Prates, 87 anos, é jornalista e Oficial da Marinha Mercante. Como tal percorreu os cinco continentes em 20 anos embarcado. Residiu em Montes Claros, de 1945 a 1958, quando foi removido para o Rio de Janeiro, onde reside com a familia. É funcionário ativo da Vale do Rio Doce, estando atualmente cedido ao Sindicato dos Oficiais da Marinha Mercante, onde é um dos diretores)

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