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montesclaros.com - Ano 25 - sexta-feira, 8 de novembro de 2024
 

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Mensagem: :Lendo e Aprendendo: Importância da Leitura

Ruth Tupinambá Graça’

Dr. Floriano de Paula não era nosso professor. Ele veio de Belo Horizonte para assumir a diretoria da Escola Normal Oficial de Montes Claros nos anos 30.
Não era um diretor alegre, comunicativo, pelo contrário, era carrancudo, cara fechada, gestos bruscos, pouca conversa. Às vezes parecia ignorar as pessoas ao seu redor. Mas era muito inteligente, de uma cultura notável, muito responsável procurando dar a nossa escola um nome de destaque ,que o fazia trabalhar, com exagero, até altas horas da noite. Eu era aluna do Curso de Magistério, uma turma de 33 alunos. De vez em quando ele aparecia em nossa sala, ,muito circunspeto, distribuía folhas de papel e pedia-nos uma redação. Queria saber como andava o nosso português. Desdobrávamos-nos para satisfazê-lo. Numa destas exigências ele entrou na sala e disse:: “quero que vocês façam um texto com estas duas perguntas”: -1) A quem você deve a sua educação -2) Qual o melhor livro que você leu até hoje. Recebemos as perguntas e ficamos preocupadas.
Cada qual se esforçava mais dando cordas á memória. Eu dei uma grande volta ao passado e as lembranças fluíram. De repente um estalo e encontrei. Eu tinha apenas 14 anos quando li: `Memórias de um Médico´ de Alexandre Dumas. Eram 12 volumes com mais de 600 paginas cada um. Muito bonitos, encadernação de couro, com títulos dourados, um luxo! Pertenciam á famosa Biblioteca do Dr. Nelson Vianna. Como consegui, aguardem a história:
Dr. Nelson Vianna era extremamente excêntrico e sistemático. Contam dele casos fantásticos, Haroldo Lívio que o diga... Ele tinha poucos amigos, não gostava de visitas. Sua esposa Dona Julieta era o oposto dele. Era alegre, comunicativa, família tradicional de Ouro Preto (onde ele estudou) era uma verdadeira prisioneira. Felicidade, minha irmã, era a única pessoa que ele consentia freqüentar sua casa. Ele viajava muito (era agrimensor) e Julieta precisava de uma companhia na sua ausência. Com isto se tornaram grandes amigas. Eu ia muitas vezes substituir minha irmã (pois ninguém é de ferro e a Fely, muito jovem tinha que freqüentar as festinhas. Eu era uma criança precoce ganhei a sua atenção (o que não foi fácil), conversava comigo,por incrível que pareça, brincava, contava-me anedotas, piadas e casos de suas viagens. Dava-me revistas e até bombons. Fazia tudo isto por que a Julieta se sentia feliz com a minha presença e precisava de alguém com quem conversar. Certo dia ele me disse com autoridade e para dizer a verdade, era mais uma exigência: -Você tem muito tempo e vai ler este livro. Leva o primeiro volume e se der conta devolva-me, pegará o segundo... mas muito cuidado. Eu aceitei sua proposta embora achando o livro muito grosso e pesado. Mas consegui ler os 12 volumes e confesso que foi o melhor livro que li em toda minha vida!
Respondendo às perguntas do meu diretor eu fiz este texto (abaixo) em Novembro de 1933: 1) A quem devo a minha educação: - A minha educação devo parte aos meus pais e parte à sociedade (aos homens) pois a criança nasce boa mas o meio a transforma de acordo com o meio em que ela vive. 2) Qual o melhor livro que li até hoje: -O melhor livro que li em toda minha vida foi: ´Memórias de um Médico´ de Alexandre Dumas. Mas acontece que eu tinha apenas 14 anos quando o li. Era adolescente, fase de ansiedade, quando começam as descobertas do sexo com as novas experiências. Fase difícil em que tudo é novidade, tudo nos emociona e nos faz questionar problemas que surgem com a curiosidade própria da idade.
Durante a leitura, eu me entusiasmei, mas pouco me interessava a parte histórica do romance (a mais importante): a Revolução Francesa. Devido a minha idade eu gostava mais da parte romântica e sobretudo a sexual e amorosa daquele reinado francês.Vibrava com as fofocas, os namoros e ´encontros´ das princesas e damas da Corte ,as cenas amorosas exageradas de ´Madame DuBarry´ as sacanagens e os amores dos duques, barões e fidalgos da alta nobreza. Os encontros na calada da noite da Rainha Maria Antonieta com seus ´Cavaleiros´ (rapazes fortes,bonitos escolhidos a dedo) traindo vergonhosamente o Luiz XVI, que na verdade ,não a satisfazia sexualmente. As safadezas do Duque de Richelieu abusando das ´aias´ da Rainha. Tudo isto me divertia, dando menos importância aos acontecimentos da Revolução Francesa. Só mais tarde, com 17 anos no curso do Magistério eu pude avaliar o valor da leitura e quanto este livro foi importante na minha formação profissional e quanto me instruiu. Principalmente nas aulas de História Geral cujo professor era o Dr. José Thomaz de Oliveira (pai de Jair de Oliveira) tratando-se de episódios da Revolução Francesa, eu fui me lembrando de todos aqueles acontecimentos que estavam guardados em minha retina. Podendo comentar com o professor. Eu já os conhecia falando com toda segurança sobre a importância do grande filosofo Jean Jaques Rousseau na Revolução Francesa, o ´Contrato Social´, a revolta do povo contra os horrores da Corte Francesa, os gastos exagerados e luxo da nobreza, num bacanal constante com bebidas, banquetes e festas, consumindo milhões enquanto o povo vivia miseravelmente, desnutrido, passando fome, doente e sem assistência. As intrigas e traições políticas dos falsos bajuladores levando o reinado do Luiz XVI às maiores injustiças e baixezas contra o povo. A influência dos psicólogos, principalmente o grande psicólogo infantil Decroly(Jean-Ovide), na valorização da criança (na escola, com métodos e programas de ensino). Do alquimista José Bálsamo com suas previsões fantásticas.
Enfim a vitória do povo contra a monarquia, a queda da Bastilha, o fim do Reinado de Maria Antonieta e Luiz XVI, condenados e executados pela guilhotina em praça pública, com toda a família. Entreguei o meu trabalho ao diretor. Uma semana depois ele entrou na sala trazendo os textos e disse-nos: -´Todos os trabalhos estão bons. Mas tem um especial, se fosse feito em casa eu duvidava que fosse feito pela aluna. Achei quase impossível uma adolescente de 14 anos ler um livro tão especial e interpretar com tamanha exatidão, os acontecimentos da grandiosa Revolução Francesa.´ Eu fiquei radiante de felicidade. O meu trabalho foi publicado pelo diretor na Gazeta do Norte, jornal da época, em 1933. Acho que consegui dar o meu recado principalmente aos jovens e adolescentes pensem no valor da leitura. O livro é o nosso melhor professor.

(N. da Redação: Ruth Tupinambá Graça, de 97 anos, é atualmente a mais importante memorialista de M. Claros. Nasceu aqui, viveu aqui, e conta as histórias da cidade com uma leveza que a distingue de todos, ao mesmo tempo em que é reconhecida pelo rigor e pela qualidade da sua memória. Mantém-se extraordinariamente ativa, viajando por toda parte, cuidando de filhos, netos e bisnetos, sem descuidar dos escritos que invariavelmente contemplam a sua cidade de criança, um burgo de não mais que 3 mil habitantes, no início do século passado. É merecidamente reverenciada por muitos como a Cora Coralina de Montes Claros, pelo alto, limpo e espontâneo lirismo de suas narrativas).

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