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montesclaros.com - Ano 25 - quinta-feira, 31 de outubro de 2024
 

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Mensagem: Parente de prefeito Eu tinha seis ou sete anos de idade, quando Tio Toninho foi prefeito de Montes Claros, na primeira gestão. Lembro-me pouco, mas o suficiente para dizer que o prefeito estava mais distante de nós do que todos supunham. Até parecia que eram duas entidades diferentes: uma era o tio alegre e brincalhão, que nos pegava no colo, virando-nos de pernas para o ar ou aquele que nos fazia correr assustadas, pois revirava as pálpebras inteiramente, deixando à mostra somente a parte interna. Ou outro era o ´tio prefeito´, o tio proibido e inacessível. Já haviam nos contado a história (que comprovei mais tarde ser verdadeira) que Tio Toninho era um ´ prefeito zumbi´ . Com seu afã de bem administrar e de fiscalizar, acordava às 5 horas da manhã e dava um passeio pela cidade, para ver como andavam as coisas. Certa feita, num desses passeios pela madrugada, flagra o guarda da Praça Irmã Beata, dormindo tranquilamente, com um boné cobrindo-lhe os olhos. Sorrateiramente, aproximou-se, tirou o boné do pobre coitado, e seguiu direto à prefeitura. Pouco depois, manda chamar o funcionário, perguntando-lhe, com os olhos brilhando de pura gozação, como andava o serviço, se tudo estava bem e se havia acontecido alguma coisa anormal. O pobre, com medo de ser advertido, balbuciou que tudo estava bem, que nada ocorrera. Meu tio, rindo, apresenta-lhe o boné e diz: Como é que pode um guarda noturno dormir à noite? E se fosse alguém querendo destruir a pracinha? Houve desculpas de um lado, advertências comentando que um homem como aquele só poderia ser doido. Acho que ele era. Doido por trabalho. Morávamos ali na rua Lafetá, as meninas de Roberto e os meninos de Fábio: fomos vizinhos durante a primeira infância e muitas são as boas lembranças que guardo dessa época. Estudávamos à tarde, por isso, uma boa saída para nossas mães sempre atarefadas, com seis filhos cada uma, era enviar-nos à Praça da Matriz, bem perto de onde morávamos, para os brinquedos infantis. Aquela praça constituía para todos nós um mundo de magia e encantamento indescritíveis. Eram partidas disputadíssimas de porta-bandeira, pique-esconde, jogos de maé, de meias velhas, cheias de areia, que atirávamos com força e vontade contra nossos adversários. E, às vezes, as bolas iam parar no meio da grama. Aí começava nosso tormento: quem iria pegar a bola? Explico: por aquela época o jardim da Praça da Matriz era cuidadíssimo. A grama verde, ladeada por belas e variadas roseiras, era severamente vigiada por um guarda municipal. Se o guarda pegasse um de nós pisando a grama, ele decerto nos levaria para o prefeito, que nos prenderia, como nos fizeram acreditar. Na nossa mente fantasiosa de crianças, o prefeito era uma entidade distante e severa, que punia quem quebrava as regras. Nunca vinculamos sua imagem com a de nosso tio brincalhão. . No seu segundo mandato, eu já era mocinha e tinha entendimento diverso das coisas, mas em nossa família o comportamento face ao cargo do meu tio era o mesmo: parente de Toninho Rebello não podia chegar perto da prefeitura! Assunto proibido e indiscutível. Em certo fevereiro, época de carnaval, eu e minha irmã Cláudia, fomos à Avenida Coronel Ribeiro assistir aos desfiles dos blocos de carnaval. Havia carnavais em Montes Claros na época de Toninho Rebello, sim, pois ele incentivava os folguedos que eram bem familiares. Eu e vários primos já desfilamos em um famoso bloco, que se protegia sob lençóis brancos, cantando e dançando, de uma forma tão salutar e inocente, que soa quase ingênua, para os dias de hoje. Mas naquela noite, queríamos somente assistir à grande festa popular. Chegamos, infelizmente, tarde. As arquibancadas estavam lotadas, restando apenas alguns lugares no camarote destinado às autoridades. Mais obediente, ia fazendo menção de voltar à casa, pois sabia que aquele camarote era impensável: nem tio Toninho gostava de ficar ali. No entanto, Cláudia, minha irmã, mais ousada que eu, chegou rente a um segurança loca e disse: Você vai ter que nos deixar entrar. Nós somos sobrinhas do prefeito! Fiquei horrorizada. Ela ousara pronunciar palavras proibidas! Vermelha, constrangida como se tivesse sido pega em falta grave, tentei puxar minha irmã, dizendo-lhe que contaria tudo a papai. O segurança, talvez compadecido de minha vergonha, disse, rindo, que poderíamos subir. Não subimos, preferimos ficar lá embaixo, por trás do cordão do isolamento, vendo os blocos passarem. Quando tio Toninho assumiu a prefeitura, passou o gerenciamento de suas fazendas ao filho mais velho, Jayme Rebello Neto. Dedicou-se integralmente à administração de sua querida cidade. Se Jayme Neto precisasse de uma assinatura de seu pai, e ele estivesse na prefeitura (e quase sempre estava), ele deveria telefonar, solicitando sua presença fora da prefeitura. Nem ao filho ele autorizou chegar perto do paço! Aquele era um hábito que se tornou corriqueiro entre os familiares de Toninho Rebello. Para todos nós era essa a regra e a única forma lícita de um gestor comportar-se. Mal sabíamos nós que Montes Claros, anos depois, transformar-se-ia num belo e atraente cabide de empregos e uma ótima plataforma para eleger parentes de prefeitos. (Extraído do livro ´Toninho Rebello, o Homem e o Político´, de Ivana Rebello e Jorge Silveira, lançado em Montes Claros na noite de 25 de fevereiro)

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