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Mensagem: ALZHEIMER URBANO Alberto Sena Recordo-me como se fosse hoje dos dias em que descia a Rua Dr. Santos, em Montes Claros, de mão dada ao meu pai, José Batista da Conceição. Íamos ao mercadão antigo, aquele casarão da Praça Dr. Carlos. Íamos à feira. Meu pai segurava a minha mão e na outra levava uma sacola feita de lona. A sacola voltava cheia. Sinal de que íamos ter salada de frutas de sobremesa. Ou marmelada? Ou seria doce de cidra? Acredito, por experiência prática, que os fios de lembranças são de matéria elástica e se vão espichando. O menino ficava excitadíssimo quando o pai dizia: “Vá calçar sapatos, vamos à feira”. Lavava os pés correndo, calçava os sapatos marrons de bicos carcomidos de tanto chutar pedra e lata na rua e íamos ao mercado. Na Praça Dr. Carlos, esta mesma praça que alguém teve a bendita ideia de tirar essa fotografia hoje no acervo de Dona Maria das Dores Guimarães Gomes, dona Dorzinha chamada, agora representada por um dos filhos dela, Wagner Gomes, meu pai e eu adentrávamos o pórtico do casarão e na minha imaginação tinha certeza de que antes do casarão virar mercado, fora morada de gigantes. Gigantes, sim. Se não eram gigantes pra quê fazer um casarão daquela altura?, com uma torre lá em cima e um relojão mais parecido com uma cebola branca marcando as horas. Meu pai tinha um cebolão e sempre o comparava com o relojão do mercado. Mas o que mais encabulava era aquela quantidade de cavalos, bruacas de couro cru, arcas, sacos e gente. Gente pitando cigarro de palha e cuspindo de lado. O que mais interessava, enquanto pai escolhia o que queria levar eram os periquitos. Sempre tinha um em casa. Às vezes acontecia de um periquito voar porque ganhara asas para tal. Noutras vezes acontecia de um gato roubar-me o periquito. Criava-os com papa de fubá. Punha no bico com uma colher. Era bom ver como crescia e ganhava as penas verdinhas. Seria o caso, hoje, de sacar uma foto do mesmo ângulo desta pra fazer uma comparação. Evidentemente, a foto antiga é muito mais bonita do que a de hoje. Basta levar em consideração a beleza da arquitetura de então. Os cavalos deram lugar aos cavalos dos motores de carros. A Praça Dr. Carlos de hoje é poluída. A praça perdeu o casarão do mercado. Foi perdendo a memória a cada administração pública. As gerações de hoje só saberão como era a praça por meio de fotografias como essa que me levou a mergulhar na piscina da vida do menino, em meados da década de 50, quando os adultos falavam muito em nomes como o de Dona Tiburtina e Deba. Além de ter compartilhado do facebook a foto da praça, tive a boa ideia de copiar os comentários a respeito dessa imagem que congelou o tempo. O primeiro é de Mara Narciso, que, criança ainda, ela diz se recordar de “alguns desses prédios”. Não sei, mas será possível ainda hoje encontrar resquícios desses imóveis com as características antigas? Carmen Netto Victoria, na escuta, ela que é uma das testemunhas vivas da beleza dessa praça que a foto congelou a época. “A Praça Dr Carlos antes de ser descaracterizada, era tão bem cuidada!”, disse Carmen, que bem viveu e agora revive os bons tempos da Rua XV. Mercia de Souza Lima Prates Revert: “Era linda” a praça. Minervino Sarmento de Pina Santos opinou também sobre a foto dando a impressão de que viveu esse tempo chamado de “época maravilhosa, lembro-me desses imóveis, como estão na foto”. Flávio Guerra Maurício pelo jeito foi contemporâneo de Minervino, porque além de ter achado a foto um “espetáculo”, também se lembra da praça assim. Virginia Abreu De Paula expressou o seu espanto: “Como é que pode ir piorando com o tempo?!” Chamou de “belíssima a casa dos Peres”. Embora historiadora, ela disse não ter certeza de que era mesmo a casa dos Peres. “Acho que é dos Peres; hoje é tudo feio ali”, disse ela. Mabel Morais expressou toda a vontade de ter vivido essa época numa palavra: “Espetacular!!!!” Os pais dela, sim, devem ter curtido bons momentos na praça. Naquela época sabíamos, “a praça é nossa” diferentemente de hoje. Como havia deixado para trás um acréscimo ao próprio comentário, Carmen Netto Victoria voltou – e fez muito bem ter voltado – pra dizer: “O jardim da praça era lindo, hoje não existe mais!” Pois é, acrescento, enquanto o subdesenvolvimento for mental, as gerações de hoje e as que ainda virão não verão como era a cidade a não ser por meio de fotografias porque do dia para a noite tudo se transforma como reza a Lei de Lavoisier. É o Alzheimer urbano – a “doença do alemão” – que há muitos e muitos anos atacou Montes Claros. E assim, não lentamente, a cidade vai perdendo a memória.
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