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montesclaros.com - Ano 25 - sábado, 28 de dezembro de 2024
 

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Mensagem: AS COISAS DO PASSADO

José Prates

O tempo passa, a gente envelhece, os traços da juventude desaparecem, mas, a memória fica intacta com tudo gravado como se todo o passado fosse uma relíquia que deve ser guardada a sete chaves. É por isso que, de vez em quando, sem a gente pedir, brotam na lembrança pedaços da vida que ficaram para trás, muito atrás, mas, que não se perderam na memória abarrotada de coisas do hoje, porque muitas coisinhas não param de acontecer. Lembrar o passado, geralmente, é agradável porque nos faz reviver momentos de plena felicidade quando ainda não conhecíamos desprazeres nem sabíamos o que era infelicidade. Esse tempo que está bem distante, eu vivi em Jacarací, lá no sertão baiano. Terra boa, de gente boa. A população era pequena, mas, tão unida que parecia uma família.
Não me esqueço aquele lençol de areia branca esparramada ao pé da serra onde a gente ia passear e comer mandapuçá, quando era tempo da fruta. A areia era tão branca que até parecia uma grande toalha estendida no chão, ao pé da serra. No Natal, a gente apanhava essa areia pra enfeitar o presépio armado na sala de visitas. Engraçado é que o tempo passa, a gente cresce, fica velho e não se esquece de nada, nem de pequenos detalhes como o que acontecia comigo quando chegava da escola: a panela de ferro com meu almoço, tampada, estava em cima do fogão e eu ia lá para apanhá-la, mas, antes, escondido da vó, ia apanhar torresmo numa panela que Didinha guardava no forno. Didinha era minha avó. O seu nome era Maria Silvina, mas, eu lhe chamava Dndinha. Depois que meu avô morreu - eu estava com cinco anos - ela vestiu-se de preto e de preto ficou até morrer. Nunca tirou o luto. Tomava conta de mim e... Tomava mesmo, até demais.
Quando me matriculou na Escola que tinha a Professora Julieta como mestra, eu já conhecia o alfabeto e já lia, devagar, soletrando, como minha avó me ensinou. Com Dona Julieta, aprendi a ler “por cima”, sem soletrar. Gostava da escola. Fiquei radiante quando aprendi fazer conta e tirar a prova dos nove. Contava isso pra todo mundo. Celso, meu primo, coletor estadual, disse que eu seria um matemático. Não sabia o que era isso, perguntei a minha avó ela explicou-me. Celso não acertou porque nunca fui chegado a números. O que sempre me interessou foram as letra, o português.
Depois de aprender a ler sem soletrar, isto aos nove anos de idade, o primeiro livro que li com interesse, do principio ao fim, foi Pinóquio, a estória de um boneco de madeira que virou gente. Gostei muito da estória e a desenvoltura de personagem impressionou-me. Depois que eu terminei a leitura do livro, Dindinha notou a minha curiosidade, o meu interesse em saber por que a transformação do boneco. Ela, então, explicou-me que essa estória nunca aconteceu, Pinoquiio nunca existiu. Foram criados pela imaginação do autor do livro. Fiquei surpreso e nasceu em mim o interesse pela ficção. O desejo de “inventar” uma estória passou a perseguir-me. Falei com Dindinha sobre isso, Ela, então, me disse que primeiro eu teria de ler, ler muito para adquirir conhecimentos. Foi quando conheci Monteiro Lobato. A estória de Jeca Tatú li umas três vezes e gostava daquele linguajar camponês, quase igual ao que eu ouvia na fazenda de meu avô Joza. A minha imaginação animava os personagens e eu os “via” em movimento nas cenas que minha mente criava. Contei isso pra minha avó. Ela me disse que a minha mente estava criando uma estória. Foi ai que nasceu o meu interesse pela literatura. E até hoje esse interesse está presente em mim, como presente está a lembrança de minha avó Silvina.

(José Prates, 87 anos, é jornalista e Oficial da Marinha Mercante. Atualmente, é um dos diretores do Sindicato da Classe)

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