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Mensagem: HIROSHIMA,mon amour Eu estava na esquina das ruas Curitiba com Gonçalves Dias em Belo Horizonte, às 7 horas da manhã, esperando Cláudio, meu colega de turma, passar de lambreta, para me dar carona até a Escola de Arquitetura, como fazia em todos os dias de aula. Nesse momento, passou um caminhão da Policia Militar carregado de soldados. O veículo tinha o apelido de “Cacho de Bananas” porque fora assim adaptado: sem as laterais e com um banco no meio da carroceria, no qual os soldados ficavam assentados, um de costa para o outro. Ficavam com a mão direita segurando uma alça presa no encosto e na esquerda um fuzil em pé, entre as pernas. Por causa da posição dos praças no banco e da farda amarela, de longe parecia mesmo um cacho de bananas amadurecidas. Era uma segunda-feira de sol brilhante do dia 30 de março de 1964. Nem cheguei a comentar esse fato com meu colega quando ele chegou. Estávamos no 5° e último ano de arquitetura e na semana anterior, o professor de Grandes Projetos de Arquitetura havia proposto um trabalho para ser feito em equipe com oito alunos cada. Naquela manhã, no intervalo das aulas, em um bate papo informal, a nossa equipe combinou fazer a primeira reunião, naquela mesma noite, na nossa sala de aula. Encontraríamos todos às 7:30, em frente ao Café Pérola, perto da Praça Sete, para irmos juntos, no mesmo ônibus Avenida para a Escola. À noite, quando cheguei ao ponto de encontro, já estavam lá Cláudio, Reynaldo, Marcus Vinicius e Décio. Teríamos de esperar José Júlio e Alvimar, já que Idamar morava ao lado da Escola. O JJ –como o chamávamos- não demorou. Quase 20 minutos depois, chega o Alvimar, como sempre, apressado, esbaforido e foi logo dizendo: -” Vamos deixar a reunião para depois. Hoje é o último dia que vai passar ´Hiroshima, mon amour´ no Art Palácio e não podemos perder esse filme!”. –“Mas, Idamar está nos esperando,” disse alguém. –“Como ele está perto de casa, não fará diferença. Amanhã a gente explica pra ele,” retrucou Alvimar. Não demorou muito tempo para nos convencer, afinal já estava quase na hora do filme começar. Na terça feira, Cláudio desceu a rua Gonçalves Dias, como de hábito e ao chegar na esquina da rua Pernambuco havia uma barreira policial interrompendo a passagem. A Polícia do Governador Magalhães Pinto tinha “tomado” a Escola de Arquitetura (que fica na rua Paraíba esquina com Gonçalves Dias) na noite anterior, prendeu todas as pessoas que estavam lá e interditou todas as ruas dos quarteirões vizinhos da Escola. Estava começando a Revolução de 64, o Golpe Militar que o povo apelidou de Quartelada. Esta ocupação se repetiu em todas outras faculdades da UFMG e da PUC, em todo estado de Minas Gerais. Naquela esquina estavam alguns alunos dos outros anos. O boato era que, os que tinham sido presos, foram levados para o DOPS e estavam incomunicáveis. Meio desorientados decidimos voltar para as respectivas casas e aguardar as evoluções dos acontecimentos. Tanto em casa quanto no trabalho – nessa época eu trabalhava à tarde em uma construtora- todos ficavam ligados na rádio Guarani, na rádio Globo ou na rádio Guaíba do Rio Grande do Sul e na TV Itacolomí, sempre à procura de notícias. Passado alguns dias, como a Escola continuava interditada e o ambiente cada vez mais tenso, pedi uns dias de folga na construtora e fui para Montes Claros até a “poeira baixar.” Idamar ficou preso dez dias e depois nos contou horrores da prisão. Disse que até um colega do primeiro ano, que estava na cantina, bêbado – ele era de Januária e sempre que queixava saudades de sua terra, “enchia a cara”- foi preso, carregado nos braços dos soldados e só acordou no dia seguinte, sem estender nada. Na volta à Escola algumas semanas depois, tivemos o desprazer de encontrar a sala do Diretório de Estudantes totalmente depredada: o arquivo e todos os papéis incinerados, o mimeógrafo, a máquina de escrever e nosso aparelho de som hi-fi, quebrados a golpes de culatra, os alto-falantes furados pelas baionetas e os discos LPs – bossa nova (que estava nascendo), MPB, Jazz (de Armstrong a Piazzola) e clássicos de Mozart, Bach, Vivaldi, Villa Lobos etc.- mais de 500 bolachões quebrados e com as capas rasgadas. Não fazia sentido toda aquela ira dos milicos!!! E nós que fomos salvos da prisão pelo belíssimo filme dirigido por Alain Resnais, com a francesa Emmanuelle Riva no papel principal, ficamos agradecidos pela insistência do colega Alvimar. Este episódio está para completar 50 anos.
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